Obras de A. J. Pires

Dialing...
Dez horas da manhã. Como habitualmente fazia, desde que iniciou a faculdade, Fernando estava sentado na mesa do café comendo a sua torrada de pão de forma e bebendo o leite com café em golos pequenos para saborear bem a mistura. Adorava café mas de manhã não o conseguia beber simples. Da torrada comia primeiro as partes exteriores, que eram as que menos gostava, e só depois as duas fatias centrais, embebidas em manteiga suculenta. Por enquanto não tinha que se preocupar com gorduras pois o seu organismo funcionava na perfeição.

Estava bem-disposto. As ideias fluíam rápidas na sua mente. Eram claras e cheias de pormenores que lhe permitiam encarar o futuro com optimismo. Um futuro preparado com cuidado e com a meticulosidade próprias de um engenheiro informático a preparar uma rede de computadores. Fernando estava completamente isolado do mundo exterior onde o ruído das pessoas, na sua azáfama matinal, parecia não ter qualquer influência nos seus pensamentos. Fora sempre assim, para seu contentamento. Conseguia manter a concentração em ambientes diversos e adversos, era como uma camuflagem que o protegia para poder

pensar. Já em casa, encontrava sempre alguma coisa para fazer, o que o distraía. As melhores ideias apareciam-lhe quando menos esperava e no meio da confusão de palavras e gargalhadas, o ruído habitual dos dias agitados. Por vezes surgia um pequeno indício que depois tomava forma e acabava por se transformar em algo mais sério, uma ideia. O que mais gostava era de pensar continuamente sobre um determinado assunto, dias e dias até que um simples lampejo no seu cérebro se transformava em algo definitivo, estruturado. Este projecto tinha começado dessa forma.

Sinopse (continuação)
intentos é uma questão de perspectiva de quem analisa a realidade utilizando argumentos concretos. Apesar de tudo, a honra ainda é um sentimento nobre, presente no centro da vida das pessoas.

Uma missão, um acidente, uma aventura e uma revelação são os momentos que marcam a história por trás do romance Vale das Sombras, uma quinta que a todos suscita um interesse especial mas por razões diferentes.

Excerto do capítulo 1 a seguir.

I
Novembro, 2009
A chuva caía ininterruptamente há dois dias, alternando de intensidade. As pequenas poças enlameadas formavam um padrão mesclado de cinzento e castanho nas ruas daquela pequena localidade. A proximidade do rio, o Danúbio, aumentava a humidade que provocava a escorrência de água pelas estruturas edificadas, aquecidas no seu interior. Aquele efeito, juntamente com a sujidade, favorecia o aparecimento de enormes manchas atípicas e disformes. Poucos eram os que arriscavam a enorme aventura de sair de casa com aquele

tempo. O ruído do motor de um carro, alheio a tudo isto, rasgava o silêncio da noite. Lentamente, deslocava-se pelo troço alcatroado, para fora da cidade. Luzes acesas, limpa pára-brisas a funcionar na velocidade média, vidros embaciados pela humidade da chauffage ligada no calor, avançava decidido mas cauteloso. O aproximar do enorme portão, escurecido pela sujidade, indicava o fim do piso bom, já que a iluminação havia desaparecido há muito tempo. Desprovido de qualquer utilidade de protecção, o gradeamento metálico permitia a entrada a quem tivesse a ousadia de deixar o asfalto para se

embrenhar no estreito caminho. A velocidade não podia ser muita e a parca iluminação dos faróis disfarçava a lama que escorria pelos arbustos, já cansados da idade e da agressividade do tempo, projectada pelo impacto dos pneus nos buracos, invisíveis pela água tingida da mesma cor da terra. A suspensão queixou-se da condução extrema e da idade mas o veículo, indiferente e insensível aos protestos, obedeceu ante os desígnios do seu condutor e prosseguiu mais uns metros. Sentado ao volante, sentindo o desconforto do assento, o dono do carro ía praguejando contra a falta de visibilidade.

Sinopse (continuação).
A trama vai evoluindo a um ritmo alucinante. A captura de um suspeito muda completamente o cenário. Os investigadores começam a antecipar os eventos.
NÃO, mostra Lisboa paralisada e cujos centros nevrálgicos estão bem identificados. É sobre estes que a entidade criminosa actua para tomar a cidade.
NÃO é também acerca da união em torno de um objectivo comum, como sempre deveria ser, não?

I
O anúncio da proximidade da estação Gare do Oriente, pelo altifalante do sistema de áudio do comboio, fez Tiago Cotrim abandonar os seus pensamentos e regressar aos seus assuntos. Estava na hora de arrumar as suas coisas, espalhadas no tampo do seu lugar. Escolhia sempre este horário porque lhe proporcionava duas alternativas. Podia ir até à estação de Santa Apolónia e se necessitasse de ir a outro lado, saía na Gare do Oriente. Naquele dia, optara por Santa Apolónia. Também gostava de ver a Gare do Oriente e de ver a azáfama matinal de quantos chegavam, mas a sua preferência era a estação de

Santa Apolónia, que lhe trazia memórias de infância daqueles momentos em que um familiar chegava e os pais o levavam a ver os comboios. Apreciava também a parte velha da cidade que se via no curto trajecto entre as duas estações. O tempo continuava a não permitir admirar o rio Tejo e aquela zona a que chamaram Parque das Nações, por isso, concentrou-se na arrumação dos poucos objectos que trazia consigo. Headphones, rato, cabos de alimentação e pen USB. O computador era sempre a última coisa. Levantou-se para ter mais espaço de movimentação e, ao mesmo tempo, ter uma visão melhor do que tinha de guardar e pela mesma ordem de sempre.

Já de pé olhou de relance para um rapaz que tinha vindo a observar. Foi o seu comportamento estranho que lhe despertou a atenção. Agora, para satisfazer a sua curiosidade de jornalista, virou o olhar na direcção dele e reparou que o lugar estava vazio. Dando continuidade ao que estava a fazer, não atribuindo importância à ausência do rapaz, fechou a tampa do portátil e, ao mesmo tempo, ouviu um ruído semelhante a uma explosão.